Todas as drogas – álcool, nicotina, cocaína, THC, etc. – exercem múltiplos efeitos no cérebro, ligando-se a receptores específicos na superfície de certos neurônios. Mas eles têm uma coisa em comum: a capacidade de aumentar os efeitos de um neurotransmissor específico, a dopamina, envolvido nos circuitos de recompensa cerebrais. No curto prazo, os efeitos psicológicos variam muito dependendo da droga, como intoxicação ou excitação. Então, estas substâncias também têm efeitos a longo prazo nas redes neuronais, em particular modificando a expressão de genes nos neurónios. Todas estas mudanças duradouras estão subjacentes aos fenómenos de dependência (também denominado “vício”).
COMO SE DESENVOLVE A DEPENDÊNCIA DE DROGAS?
Em qualquer neurônio, a expressão dos genes é modulada por sua atividade elétrica e pelos neurotransmissores que atuam sobre ele. Esta adaptação é necessária para o estabelecimento e persistência de mudanças duradouras na eficácia das sinapses – os pontos de comunicação entre os neurónios onde atuam os neurotransmissores – que estão na base da aprendizagem e da memorização, bem como dos fenómenos de dependência. Mas a atividade elétrica, os neurotransmissores e as drogas também têm ação no DNA dos neurônios: a expressão dos genes de qualquer célula, inclusive dos neurônios, varia de acordo com seu grau de atividade ou estimulação. Quais são os mecanismos que regulam a expressão genética de maneira tão precisa e responsiva?
PROTEÍNAS QUE SE ASSOCIAM AO DNA
Os mecanismos que regulam a expressão genética envolvem proteínas que se associam ao DNA. Alguns são fatores de transcrição, que promovem ou, pelo contrário, bloqueiam a transcrição de certos genes em particular, ou seja, a sua transcrição em moléculas de RNA mensageiro. Quando o RNA mensageiro sai do núcleo, ele se liga a complexos de RNA e proteínas chamados “ribossomos”, que o traduzem em proteína. Assim, o nível de expressão dos genes ativados (ou não) controla a abundância de cada proteína na célula. Um aspecto muito importante desta regulação da expressão genética diz respeito à forma como o DNA é armazenado no núcleo – 2 metros de DNA são cuidadosamente dobrados no núcleo de cada uma das nossas células, mas invisíveis a olho nu.
Na verdade, o DNA está enrolado em pequenas bolas de proteínas chamadas “histonas”. O enrolamento mais ou menos rígido determina a acessibilidade do DNA aos fatores de transcrição e a facilidade com que os genes são transcritos. No entanto, as histonas podem transportar várias modificações químicas, tais como fosforilação, metilação ou acetilação, que apertam ou afrouxam a bobina do DNA, e recrutam proteínas importantes para a transcrição, que reconhecem especificamente algumas destas modificações. Além disso, sabemos que os neurotransmissores, a dopamina ou a serotonina, ligam-se a uma determinada histona e contribuem para a regulação da expressão genética nos neurónios. Mas isto também envolve modificações químicas diretas do próprio DNA. Por exemplo, nos chamados genes “silenciosos” (que não são traduzidos em proteínas), uma das quatro bases que formam o DNA, a citosina, transporta frequentemente um grupo químico denominado “grupo metilo”. Referimo-nos a todas as transformações químicas do DNA e das histonas sob o nome de “modificações epigenéticas”, porque acompanham notavelmente a diferenciação das células durante o desenvolvimento do embrião.
MÚLTIPLAS REGULAÇÕES DA EXPRESSÃO GENÉTICA
Drogas viciantes, como a cocaína, atuam em todos esses níveis de regulação da expressão genética, e não apenas através da “Dopaminilação”. Primeiro, elas sequestram a função do circuito de recompensa do cérebro, aumentando artificialmente a concentração de dopamina, o que modifica expressão genética ligando-se aos seus receptores e ativando vias de sinalização intracelular. Os efeitos persistentes induzidos em laboratório em ratos por uma injeção de cocaína requerem alterações na expressão genética. Na verdade, a cocaína provoca a rápida ativação dos chamados genes “imediatos”, que codificam fatores de transcrição, que por sua vez modulam a expressão de outros genes. Ao mesmo tempo, surgem modificações químicas nas histonas (fosforilação, acetilação, metilação) e metilação do DNA, que também contribuem para a regulação da expressão genética. Assim, a investigação atual visa determinar se estas modificações “epigenéticas” persistem muito tempo após a exposição à droga e como contribuem para as mudanças comportamentais associadas à dependência ou abstinência. Mas ainda os pesquisadores não temos todas as respostas…
REFERÊNCIAS
E. Lepack et al., Dopaminylation of histone H3 in ventral tegmental area regulates cocaine seeking, Science, vol. 368, pp. 197-201, 2020.
J.-A. Girault, Epigenetic tinkering with neurotransmitters, Science, vol. 368, pp. 134-135, 2020.
A. Farrelly et al., Histone serotonylation is a permissive modification that enhances TFIID binding to H3K4me3, Nature, vol. 567, pp. 535-539, 2019.