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OS EVENTOS EXTREMOS CHEGARAM PARA FICAR, NÃO APENAS NO RIO GRANDE DO SUL!

O Rio Grande do Sul foi novamente vítima de efeitos calamitosos causados por eventos climáticos extremos. Quatro eventos destruidores em pouco mais de seis meses. O último fenômeno devastador – maio 2024 – foi violentamente incomum. Registrou índices de precipitações jamais constatados desde que há medidas. Causou numerosos mortos e desaparecidos, sofrimento a milhares de desabrigados e desalojados, perda de patrimônio, danos materiais à população, indústria, agricultura, infraestruturas, serviços públicos e privados, saúde, educação e aos ecossistemas rurais e urbanos de modo sem precedentes.

O ano de 2023 foi o mais quente que o planeta conheceu, entre centenas, para não dizer milhares de anos, segundo a Nasa. Nosso futuro será inevitavelmente desastroso sem ações drásticas que alterem o curso da desregulação ecológica. O que ocorre no Rio Grande do Sul – e alhures – será um aperitivo se não forem tomadas ações urgentes e ambiciosas destinadas a proteger a população e os meios naturais; ou mais precisamente, as condições de habitabilidade dos viventes, humanos e não-humanos que convivem sobre a face da Terra. Por ora, as chamadas transições ecológica e energética seguem sendo uma falácia diante da urgência.

OS VETORES DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Sem serem especialistas, as vítimas gaúchas puderam constatar que os quatro vetores que caracterizam as mudanças climáticas estiveram presentes nas tragédias do Rio Grande do Sul: ocorrem com maior frequência, são mais intensos, duram mais tempo e são mais extensos territorialmente. No entanto, esses fenômenos sempre existiram, mas não se manifestavam como atualmente e cuja tendencia futura é de se agravar progressivamente. Os mesmos quatro vetores podem ser constatados no caso de secas, canículas, incêndios, vendavais, ciclones, furações e não apenas no tocante a inundações e chuvas torrenciais.

De excepcionais, esses fenômenos estão se transformando em permanentes. Porém, com um sério agravante: chegaram para ficar e vão se repetir. Eles não mais batem à nossa porta, mas já adentraram à antessala. Cada região do planeta está sendo afetada por eventos extremos diferentes. Umas regiões serão atingidas por ciclones, outras por aumento da temperatura, secas, incêndios, inundações, alcançando níveis de degradação sem precedentes. Outras serão mais vulneráveis do que outras, talvez seja o caso do Rio Grande do Sul.

DESASTRES CLIMÁTICOS ESTÃO POR TODA PARTE

Os gaúchos não estão sós nessa tragédia. Nas últimas semanas, tempestades assolaram a África do Leste: 188 mortes no Quénia, 155 na Tanzânia, 28.000 famílias deslocadas na República Democrática do Congo, 2.000 no Burundi. Na China, as chuvas afetaram Guangdong, província mais numerosa com 127 milhões de habitantes. Em meados de abril, chuvas e vendavais atingiram Omã, Emirados Árabes Unidos e outros países do Golfo Pérsico.  Agora, em maio o Afeganistão, para não se estender às demais calamidades que afetam o planeta.

Os eventos climáticos extremos que assistimos em várias regiões do planeta não são resultantes das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que foram lançadas recentemente na atmosfera. Há uma inercia entre o lançamento dos GEE e seus efeitos. Na realidade, os eventos atuais são consequência dos GEE lançados e acumulados na atmosfera durante os últimos 20 ou mais anos. Em outros termos, os eventos extremos futuros já estão determinados pelos GEE que emitimos presentemente. Se fosse possível, por um passe de mágica, suprimir, hoje, todas as emissões de GEE do planeta, reduzi-las a zero, o aumento da temperatura do planeta seguirá sua trajetória ascendente durante as próximas décadas. Por essa razão, os eventos climáticos extremos chegaram para ficar e somente podem se agravar. A tendencia futura será ao agravamento, se não houver corte radical do consumo de energias fósseis. Tanto mais que, a sociedade termo industrial – da qual apenas uma parte da humanidade se beneficia – nunca consumiu tanta energia fóssil como 2023, apesar de todas as advertências lançadas durante quatro décadas. Isso significa que o Rio Grande do Sul deverá conhecer novas catástrofes climáticas no curso dos próximos anos e decênios. Não há como fugir a essa realidade que não depende somente de ações locais e regionais, mas sobretudo globais.

A DESREGULAÇÃO AMBIENTAL NÃO É ESPONTÂNEA

O aquecimento global – e sua consequência, a mudança climática -, não é um fenômeno isolado, único. Trata-se de um componente de algo muito mais vasto: a desregulação ecológica do planeta. Estamos a caminho de novo equilíbrio ecológico do qual não temos a menor ideia como será. A desregulação é composta de outros fenômenos não menos graves tais como: perda de biodiversidade vegetal e animal; esgotamento de recursos naturais não-renováveis; poluição dos meios naturais (água, ar, solos…). Trata-se de fenômenos que engendram outros.

O aquecimento global não é um fenômeno espontâneo. Trata-se de transformação forjada pelo nosso modo de organização social e de produção e consumo de bens e serviços da sociedade termo industrial – iniciada com Watt ao construir um conversor energético a carvão, em 1777, a máquina a vapor, primeiro engenho capaz de transformar energia térmica em mecânica em grande escala.

O aquecimento global não é algo incerto e não sabido. Trata-se de fenômeno medido diariamente e cujas previsões – feitas há quatro décadas – estão se realizando de modo mais acentuado do que se imaginou inicialmente.

O aumento da temperatura média do planeta pelos GEE aumenta a evaporação da água; em consequência, aumenta a humidade na atmosfera, fenômeno que causa chuvas mais abundantes. A quantidade de água na Terra resta sempre a mesma, porém, o que altera são as proporções entre estado sólido, líquido e gasoso. Estima-se que a elevação de 1°C na temperatura média do planeta se traduz por um aumento de 7% na umidade atmosférica. Nos últimos 50 anos, a temperatura da Terra elevou-se em torno de 1°C. Conter a temperatura média do planeta em 1,5ºC no final do século é hoje uma quimera.

HÁ AÇÕES POSSÍVEIS PARA CONTER A MUDANÇA DO CLIMA

Grosso modo, há duas ações urgentes possíveis para se conter os efeitos do aquecimento global se pretendemos preservar as formas de vida existentes no planeta: atenuação (mitigação) e adaptação. Ambas as ações devem ser conjugadas nas esferas global, regional e local para serem efetivas. Não dependerá apenas dos esforços dos gaúchos e demais vítimas dos quatro quadrantes.

A primeira, atenuação, significa redução drástica das emissões de GEE, particularmente as derivadas do consumo de energias fósseis. Ou seja, reduzir ao máximo o uso de combustíveis fósseis, reduzir o consumo de proteínas animais, reduzir a mobilidade, reduzir produção e consumo, o desmatamento, as queimadas; igualmente abolir a monocultura, reflorestar, revegetalizar áreas urbanas, recuperar ecossistemas (florestas, savanas, zonas úmidas, etc.), aproximar produção do consumo… São ações de caráter global, regional e local. Os resultados da atenuação serão perceptíveis a mais longo prazo, não imediatamente.

A segunda, adaptação, demanda obras importantes de infraestrutura de contenção de enchentes, deslizamentos, diques, ou reflorestamento de bacias hidrográficas para reter água, ordenamento do território, etc. Os investimentos serão colossais. Ao definir programas de adaptação, é necessário determinar para qual nível de aumento da temperatura média será necessário se adaptar: 2ºC, 2,5ºC, 3,2ºC… Quanto mais elevadas serão as temperaturas para as quais deveremos nos adaptar, maiores serão os investimentos; tudo dependendo da condição local, regional e global; o aquecimento não é uniforme para todas regiões e os eventos também são distintos. Os resultados serão mais imediatos, porém, caros, paliativos e exequíveis no âmbito local e regional.

O FUTURO NÃO PODE SER O PROLONGAMENTO DO PRESENTE

Porém, atenuar e adaptar são medidas que entram em colisão com a ideologia do crescimento econômico em mundo finito. Reduzir pela metade o consumo de energia primária fóssil, até meados do século, significa retração do funcionamento do aparato de máquinas que se movem graças ao carbono fóssil, em 85% dos casos. Não se trata, aqui, de recessão econômica clássica, mas de retração de fluxos físicos de matérias primas bióticas, abióticas, substratos dos processos de produção e consumo. A transição energética, por exemplo, é um fenômeno que não se supera em alguns decênios. Basta constatar que a humanidade consome anualmente 12 bilhões de toneladas de energias fósseis. Não há como suprimi-las sem causar ruptura no modo de vida e na organização da sociedade fóssil que, hoje, beneficia em torno de 30% da humanidade de maneira extremamente desigual. Além do mais, tal como é constituída, ela não tem condições de se estender à parte restante, a população excluída.

O futuro não será o prolongamento do presente, não será uma simples questão de alterar infraestruturas, eletrificar processos produtivos, de mobilidade, de substituição de energias fósseis por energias renováveis. Trata-se de mudança cultural, civilizatória.


Tomás Togni Tarquinio Formado em Antropologia e Prospectiva Ambiental na França. Desde 1977, trabalhou em diversas instituições francesas e europeias pioneiras sobre: energia, ecologia política, meio ambiente, decrescimento e colapso da sociedade termo industrial. Foi Secretário do Governo do Amapá, por ocasião da execução do pioneiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA); trabalhou no MMA e Senado. Trabalhou em alguns países da América Latina e Europa.

COLAPSO ECONÔMICO E ECOLÓGICO

Estamos diante de um colapso econômico e ecológico. Manter o crescimento do PIB, aumentar o emprego, reduzir as desigualdades e ao mesmo tempo diminuir os impactos ecológicos são desafios impossíveis de serem alcançados a médio e longo prazo.

Mesmo que o PIB alcance temporariamente taxas positivas, não haverá aumento importante do número de empregos. A revolução promovida pela inteligência artificial não absorve mão de obra pouco qualificada. O crescimento econômico é, e seguirá benéfico apenas para um pequeno número de pessoas tecnicamente capacitadas.

Em que pese o fato de que o mundo jamais tenha produzido e consumido tantos bens e serviços, a concentração de renda verificada nas mãos de uma minoria aumentou nas últimas décadas, desde o predomínio das políticas neoliberais aplicadas há quatro décadas. O processo de substituição do trabalho humano por máquinas segue sua trajetória ascendente – o aumento da produtividade tendo como contrapartida a redução do emprego. E as máquinas necessitam de energia fóssil para funcionar. Em torno do que é produzido e consumido no mundo depende de 85% de energias fósseis para funcionar (carvão, petróleo, gás natural). E o valor agregado gerado por estas máquinas e robôs usados na produção e consumo é apropriado pelos detentores do capital. Segundo a Oxfam International, em torno de 80% da riqueza do planeta é apropriada por 1% da população mundial.

O crescimento do PIB causa a degradação do meio natural, intensifica os danos das atividades de humanas de produção e consumo sobre a atmosfera, hidrosfera, litosfera e sobretudo sobre a biosfera, um verniz que envolve a Terra onde a vida prospera. Em consequência do consumo de energias fósseis e de matérias primas. Não há como desacoplar, ou dissociar, o crescimento do PIB dos danos causados a meio natural. O crescimento do PIB significa aumentar o número de máquinas que se nutrem de energia e matérias primas. A quantidade de energia contida em um litro de petróleo, ao ser usada em máquina, substitui o trabalho de um homem durante 100 dias.

Assim, o crescimento do PIB não soluciona o problema do emprego, a distribuição de renda e tampouco a crise ecológica.

Seguir neste caminho significa levar a humanidade ao colapso através de uma crise ecológica sem precedentes: elevar a temperatura média acima de 2ºC em meados deste século (2050), perda de biodiversidade e esgotamento dos recursos naturais. Comprometer as condições de habitabilidade dos seres humanos sobre a face da Terra, bem como dos demais viventes não-humanos.

Que fazer diante desta catástrofe, deste colapso econômico e ecológico, que já está em curso no nosso cotidiano? É uma questão que resta aberta e sobre a qual ainda não temos uma solução pronta. Um caminho a ser construído com urgência.


(*) Tomás Togni Tarquinio.

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.

CRÍTICA A SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS PARA A CRISE ECOLÓGICA

A socióloga Sophie Dubuisson-Quellier, em sua apresentação, oferece uma visão crítica sobre a abordagem comumente adotada em relação às soluções para as crises ambientais e sociais contemporâneas. Ela argumenta que a tendência de buscar soluções prontas e aplicáveis de forma generalizada, sem considerar a complexidade das interações sociais e a estruturação das sociedades, pode levar a um impasse ou até mesmo a um retrocesso nas ações de combate às mudanças climáticas e outros desafios globais.

CRÍTICA AO SOLUTIONISMO TECNOLÓGICO

Dubuisson-Quellier destaca que as soluções tecnológicas, frequentemente vistas como a chave para a descarbonização e a resolução de problemas ambientais, não são elementos neutros que podem ser simplesmente inseridos na sociedade. Elas estão imersas em complexas interdependências sociais, técnicas e políticas. A socióloga ressalta que as tecnologias contêm “scripts” sociais, ou seja, pressupostos sobre como serão fabricadas, financiadas, implementadas e utilizadas, o que muitas vezes é negligenciado por visões excessivamente otimistas.

OS MODOS DE VIDA E A QUESTÃO DOS COMPORTAMENTOS

Outro ponto abordado por Dubuisson-Quellier é a ideia de que a mudança nos modos de vida, frequentemente reduzida a uma questão de alteração de comportamentos individuais, é na verdade um fenômeno muito mais complexo. Os modos de vida são constituídos por práticas sociais enraizadas em organizações sociais, técnicas e econômicas, e são moldados por trajetórias históricas longas e padrões de vida legitimados socialmente. A socióloga argumenta que mudar esses modos de vida requer uma compreensão profunda das estruturas coletivas que os sustentam e das inércias que eles apresentam.

NOVOS IMAGINÁRIOS E A CONSTRUÇÃO SOCIAL

A terceira perspectiva criticada por Dubuisson-Quellier é a crença de que a criação de novos imaginários e narrativas pode, por si só, levar à transformação das sociedades. Ela argumenta que o consumismo, por exemplo, não é simplesmente um “conto” que foi imposto à sociedade, mas sim o resultado de um processo de longo prazo, altamente institucionalizado e baseado em relações e estruturas de poder. A socióloga enfatiza que as mudanças necessárias para enfrentar os desafios ambientais e sociais atuais exigem ações concretas e mudanças nas políticas públicas, nas práticas empresariais e nas instituições sociais.

DESAFIOS PARA A MUDANÇA SOCIAL

Sophie Dubuisson-Quellier aponta que, para efetuar uma mudança social significativa, é preciso ir além da prescrição de soluções simplistas e considerar as dimensões sociais complexas que estão em jogo. Ela sugere que é necessário produzir mais pesquisas e compreender os bloqueios da sociedade carbonizada, identificando as interdependências e o papel das articulações entre modelos de negócios e instrumentos macroeconômicos. A socióloga também destaca a importância de abordar as desigualdades inerentes à sociedade do carbono e de construir novas interdependências que promovam uma distribuição mais justa dos recursos cada vez mais escassos.

CONCLUSÃO: A IMPORTÂNCIA DE REPENSAR AS ESTRATÉGIAS

Em conclusão, Sophie Dubuisson-Quellier nos convida a repensar as estratégias de combate às mudanças climáticas e outros desafios globais, enfatizando a necessidade de uma abordagem que leve em conta a complexidade das sociedades e a interconexão entre as esferas social, econômica e ambiental. Ela nos lembra que as soluções não estão prontamente disponíveis em uma “prateleira”, mas devem ser cuidadosamente experimentadas, testadas e adaptadas às realidades sociais específicas. A socióloga nos desafia a reconhecer que a resolução dessas crises é um processo social e político intrincado, que requer uma reavaliação profunda das organizações sociais e políticas e dos valores que as sustentam.


(*) Tomás Togni Tarquinio.

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.

TRANSIÇÃO ECOLÓGICA EM UM MUNDO FINITO

A Terra é finita. Com apenas treze mil quilômetros de diâmetro, distância que separa Paris de Montevideo, o planeta restará do mesmo tamanho por bilhões de anos. Um insignificante corpo celeste vagando no espaço. Porém excepcional: único que abriga vida, ao nosso conhecimento. No entanto, nós o concebemos como ilimitado e cuja função é nos servir.

No registro sagrado, a visão é antiga; já está presente nos primeiros versículos do Genesis. No registro profano, a visão utilitarista da natureza se afirmou bem mais tarde. No Século XVII, Descartes a sintetizou colocando os humanos no pedestal como “maître et possesseur de la nature” (mestres e possuidores da natureza). No século XX, Schumpeter atualizou o conceito ao afirmar que a destruição criativa é o motor do capitalismo. Nas entrelinhas, o economista austríaco disse que a modernidade fóssil somente prospera em um mundo infinito. Hoje, essas ideias são cada vez mais contestadas. Nós, humanos, redescobrimos que somos natureza, que estamos na natureza e que a natureza está em nós.

Nossa sociedade termo industrial é completamente tributária das energias fósseis. Ela se revelou incompatível com os limites impostos pela natureza. A abundância de energias fósseis e matérias primas moldou a forma como o nosso modo de vida está organizado.  E alimenta a quimera que estamos em um planeta interminável. Esse modo de produção e consumo de bens e serviços afastou os seres humanos da natureza viva e inanimada. Agora coloca em risco as condições de habitabilidade dos humanos e não-humanos sobre a face da terra. O utilitarismo nos apartou da biologia, ou seja, das condições nas quais a vida prospera em proveito da mecânica.

Face à desregulação ecológica em curso acelerado da atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera (ecosfera), os defensores dessas concepções tentam preservar esse modo de produção e consumo deletério de bens e serviços. O discurso predominante veiculado pelos meios de comunicação, igualmente pela sociedade civil, pressupõe que a transição ecológica será realizada sem mudanças de paradigmas. Supõem que a superação do gigantesco desafio que teremos que enfrentar ocorrerá em um contexto de abundância de matérias primas e energia. As limitações futuras são minimizadas e não condizem com os enormes obstáculos que a civilização termo industrial já enfrenta e enfrentará em escala mais aguda, a curto, médio e longo prazo. O suposto contexto de opulência de recursos naturais, associado ao otimismo no tocante a inovações tecnológicas, seriam componentes favoráveis à superação das dificuldades. A transição ecológica é observada como se fosse independente do enorme substrato material sobre o qual repousa a modernidade. A gigantesca escala de recursos naturais que será necessário mobilizar é insuficiente para garantir o mesmo padrão de vida. Situação agravada pelo exíguo período de tempo necessário para se construir uma sociedade pós-carbono.

Trata-se de substituir a matriz energética mundial dependente em 85% de energias fósseis (carvão, petróleo, gás) – e responsável por cerca de 80% das emissões de GEE – por energias de baixo carbono (eólica, solar e nuclear que só produzem eletricidade). E de introduzir novas tecnologias que exigem extrair uma quantidade de metais equivalente ao que foi retirado da litosfera desde a invenção da metalurgia.

Mas a desregulação ecológica não diz respeito apenas da vertente climática. Ela vem acompanhada da perda de biodiversidade, esgotamento dos recursos naturais não renováveis e poluições diversas e variadas do meio natural (água, ar, solos…).

Ainda permanece a ilusão que será possível desacoplar, ou dissociar, o crescimento da riqueza (PIB) dos danos causados ao quatro componentes da ecosfera. Ou seja, promover o crescimento da riqueza e, ao mesmo tempo, reduzir do emprego de matérias primas e energia – em termos absolutos. O aumento dos bens e serviços sempre foi acompanhado do crescente emprego de matérias primas e energia. Hoje, por exemplo, o consumo de matérias primas é superior a taxa de crescimento da economia mundial. Quanto maior for produção e consumo, mais matéria e energia serão empregadas no processo econômico e maior será a degradação do meio natural.

O narrativa prevalente segue difusa e não estruturada. Acreditam que os mesmos privilégios oferecidos pela modernidade fóssil serão assegurados pela transição ecológica: crescimento econômico, poder de compra, mobilidade, alimentação, habitação, saúde, educação, aposentadoria, seguridade social, lazer… No entanto, a prosperidade proporcionada pela sociedade termo industrial beneficia de maneira extremamente desigual em torno de 30% da população mundial. Por exemplo, o 1% mais rico do planeta é responsável por 15% das emissões de CO2; os 10% mais ricos por 52%; enquanto que os 50% mais pobres por apenas 8%. Se os 10% mais ricos já causam esse nível de degradação da ecosfera, fica evidente que será impossível estender os benefícios desse modo de vida à parte da humanidade excluída do banquete.

No entanto, o modo de produção e consumo desenfreado de bens e serviços segue sendo visto como perene e não como transitório. Trata-se de um parêntesis de abundancia iniciado com a revolução industrial e que agora encontra limites à sua expansão. Essas restrições são impostas por leis físicas químicas e biológicas irrevogáveis. E não por leis econômicas.

Atenuar e adaptar a humanidade aos efeitos nefastos causados pela desregulação ecológica requer encarar o futuro com realismo. Ainda não há clareza como o futuro será, tampouco como construí-lo. As soluções serão provavelmente diversificadas, dependendo de condições locais e regionais, com aproximação da esfera da produção e do consumo.

O futuro não será o prolongamento do modo de vida presente. A transição ecológica não se resume a mudança de infraestruturas, a substituição de energias fósseis por energias de baixo carbono. Trata-se transformação cultural que requer abandonar o modo de vida nascido com civilização termo industrial.

Ainda há tempo para construir uma sociedade pautada pela sobriedade na produção e consumo, pela moderação voluntária e compartilhada. A superação implica em saber o que produzir, para que produzir, para quem produzir e, sobretudo, como produzir, dando prioridade ao necessário e essencial, abandonando o supérfluo.


(*) Tomás Togni Tarquinio

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.

OBSERVAÇÕES SOBRE TRANSIÇÃO ECOLÓGICA E ENERGÉTICA

1) O planeta não está em perigo. Mas nós, nossa sociedade, sim.

2) O planeta já conheceu períodos mais inóspitos. Mas nós, humanos, não.

3) O planeta é indiferente à sorte dos seres vivos que o habitam, sejam humanos ou não-humanos. Pouco importa para a Terra que exista condições favoráveis ou inadequadas para que todas as formas de vida prosperem no seu seio.

4) Não basta se preocupar apenas em salvar o planeta. O mais importante é assegurar a nossa sobrevivência enquanto espécie, bem como a sobrevivência dos demais seres não humanos que nos acompanham.

5) Não basta se preocupar com o meio ambiente de maneira geral. É necessário conhecer quais tipos de danos nossa atividade individual e coletiva de produção e consumo causa ao meio natural. É igualmente importante saber distinguir se o dano é local, regional e global; bem como saber distinguir se o dano é reversível, reparável, recuperável ou se o dano é irreversível, irreparável, irrecuperável.

6 – A mudança climática não é um fenômeno isolado, único, mas um fato que engendra outros, igualmente graves. Trata-se de um dos componentes da crise ecológica do planeta, juntamente com: perda de biodiversidade, esgotamento dos recursos naturais não renováveis e poluição dos meios naturais (água, ar, solos…).

7 – O aquecimento global não é um fenômeno espontâneo. Trata-se de transformação forjada pelo nosso modo de produção e consumo de bens e serviços.

8) Não se trata de algo incerto e não sabido. Mas de fenômeno medido diariamente e cujas previsões feitas há quatro décadas estão se realizando.

9) A transição energética não será indolor. Será longa, levará decênios, em razão de sua inércia devido aos investimentos consideráveis já realizados energias fósseis e aos que estão sendo feitos em energias de baixo carbono.

10) Em torno de 85% da energia primária mundial consumida anualmente é de origem fóssil (carvão, petróleo, gás natural). As energias fósseis movem e transformam o mundo:  agricultura, indústria, serviço construção, transporte…

11) A transição das energias fósseis para energias renováveis de baixo carbono (solar, eólica, nuclear, hidráulica, etc.) significa reduzir a dependência da sociedade de energias fósseis e aumentar a dependência de metais (abundantes, críticos e raros).


(*) Tomás Togni Tarquinio.

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.

PERDA ACELERADA DE BIODIVERSIDADE VEGETAL E ANIMAL NO PLANETA

Impacto Humano na Biodiversidade e a Urgência de Mudanças

Os seres humanos têm exercido uma influência sem precedentes sobre o planeta Terra, alterando seus quatro componentes fundamentais: a atmosfera, a litosfera, a hidrosfera e, de forma particularmente drástica, a biosfera. A emissão de gases de efeito estufa, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis, tem modificado a atmosfera, enquanto a exploração de recursos minerais e a transformação do solo impactam diretamente a litosfera. A hidrosfera também não escapa das ações humanas, com alterações em suas formas gasosa, líquida e sólida. Contudo, é na biosfera, a fina camada da Terra onde a vida floresce, que observamos as consequências mais alarmantes da atividade humana.

A Sexta Extinção em Massa: Uma Realidade Acelerada

Em dezembro de 2022, a conferência das Nações Unidas sobre biodiversidade, realizada em Montreal, Canadá, trouxe à tona a preocupante velocidade com que a biodiversidade vegetal e animal do planeta está sendo perdida. Cientistas alertam que estamos atravessando a sexta extinção em massa, a mais significativa desde o desaparecimento dos dinossauros. A principal causa desse declínio é a conversão de ecossistemas naturais em áreas de agricultura, pecuária e urbanização. A expansão urbana e a construção de estradas também contribuem significativamente para esse fenômeno.

Declínio Vertiginoso da Fauna e Flora

Nos últimos dois séculos, cerca de 200 espécies de vertebrados foram extintas, e a população de animais vertebrados diminuiu em 69% entre 1970 e 2016. Na Europa, estudos indicam que 80% da população de insetos voadores desapareceu nos últimos 30 anos, um declínio atribuído ao uso de agrotóxicos e à prática da monocultura. No que diz respeito aos mamíferos, apenas 4% são selvagens, enquanto 60% são criados para consumo humano e os 30% restantes somos nós, os seres humanos.

A Situação no Brasil e a Responsabilidade Humana

No Brasil, a situação é igualmente grave, com o Ministério do Meio Ambiente estimando que 1.200 espécies de animais estão ameaçadas de extinção. O ser humano, através de suas atividades de produção e consumo, agricultura, indústria, transportes e produção de energia, tem causado um impacto devastador na biodiversidade. Agimos como se não houvesse consequências para nós mesmos, destruindo o habitat de outras espécies e comprometendo a habitabilidade do planeta.

Construindo um Novo Modelo de Produção e Consumo

Para preservar a habitabilidade do planeta para nós e para os demais seres vivos, é necessário construir um novo modelo de produção e consumo que seja sóbrio no uso de recursos e energia e que respeite as condições de existência de todas as formas de vida. Esse novo modelo deve ser compartilhado globalmente, considerando que apenas 25% da população está integrada na sociedade termoindustrial, enquanto a maioria ainda vive em sistemas agrícolas de baixa produtividade. Além disso, os 10% mais ricos do planeta são responsáveis por 52% das emissões de CO2, contrastando com os 50% mais pobres que emitem apenas 8%. Não é possível estender o atual modelo de produção e consumo a toda a população mundial sem consequências catastróficas.

Conclusão: A Necessidade de Ação Imediata

Diante do cenário atual, torna-se imperativo que a sociedade global reconheça a urgência de mudanças significativas em suas práticas. A preservação da biodiversidade e a sustentabilidade do planeta exigem uma transformação rápida e profunda em nossos modos de vida. Somente assim poderemos garantir um futuro onde a vida, em todas as suas formas, possa continuar a prosperar na Terra.


(*) Tomás Togni Tarquinio.

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.


Você que saber mais sobre o assunto?

Então assista o vídeo abaixo do economista e especialista em Mudanças Climáticas Tomás T. Tarquinio.