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JOVENS, URGÊNCIA ECOLÓGICA E CONFERÊNCIAS DO CLIMA

Três meses após evento, os temas “candentes” tratados na Conferência do Clima (COP) de novembro de 2021, em Glasgow, estão relegados a um terceiro plano. Retornarão seguramente às páginas dos jornais em novembro de 2022, por ocasião da COP 27, a se realizar no Egito.

“A montanha pariu um rato”. A sentença sobre o encontro na Escócia não foi proferida por uma “ecochata”, radical, vegetariana. Mas, por Inger Anderson, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A dinamarquesa, produto das melhores escolas formadoras de parte dos burocratas incrustados nas instituições internacionais, tem sua dose de razão.

Os resultados negativos são claros: o Pacto de Glasgow é insuficiente para conter o aquecimento global em 1,5˚C; os pedidos de financiamento de países pobres vítimas da desregulação climática foram ignorados e as promessas de eliminação do carbono fóssil sequer alcançaram um mínimo denominador comum. O único aspecto positivo do acordo de Glasgow foi que poderia ser pior do que ficou acertado.

Isto posto, as COP são uma tribuna importante. Porém, sem capacidade de ação. Palavras que não constrangem aqueles que tem poder de decisão para tornar efetivos os compromissos assumidos. Felizmente, os problemas tratados sensibilizam a população jovem. Contribuem para um maior conhecimento sobre a degradação das condições de habitabilidade do planeta – sejam humanos ou não-humanos. Se é ruim como é, pior seria sem a Conferência.

As avaliações otimistas das COP causam desconforto. Os jovens estão angustiados com o futuro de suas próprias existências, Greta entre outras e outros. Eles sabem que as intenções anunciadas pelos atores presentes (países, regiões, cidades, empresas, associações, lavadores de verde e quejandos) não se traduzem em atos susceptíveis para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Que a temperatura média do planeta Terra pode ultrapassar 1,5°C na próxima década. Constatam a pouca eficiência das instancias executivas para alcançar os objetivos fixados nos encontros – sejam locais, regionais e internacionais. Sabem que pagarão a mula roubada.

Os jovens também sabem que é inútil fixar objetivos se inexistem meios e vontade política para alcançá-los. Eles se dão conta de que os encontros não se traduzem em nada de substantivo para atenuar e adaptar a sociedade às mudanças climáticas. Pelo contrário, verificam que as políticas em curso caminham em sentido inverso às intenções apregoadas. Que o modo de produção e consumo da sociedade termo industrial, predominantemente capitalista, caminha em sentido oposto aos objetivos fixados pelas COP e às recomendações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Que nos últimos 40 anos, as emissões mundiais de GEE aumentaram em 60%. Que a perda de biodiversidade alcançou índices alarmantes durante o mesmo período. Se preocupam, inclusive, com questões sem dúvida paradoxais, porém menos relevantes, como o número de jatos que pousaram em Glasgow, ou com o fato de não haver compensação das emissões de GEE decorrentes das viagens efetuadas pelos participantes ao grande evento.

A cada dia, aumenta o número de jovens preocupados com o fato de que o aquecimento global não mais bate à nossa porta: já se instalou confortavelmente em nossa antessala. Que as mudanças climáticas fazem parte de nosso cotidiano sem possibilidades de fazer “meia volta volver”.

Vivem angustiados, pois estão embarcados em uma viagem ao desconhecido com passagem só de ida.


(*) Tomás Togni Tarquinio.

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.

O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL NÃO É A PRINCIPAL AMEAÇA AO PLANETA

Se há consenso sobre a impossibilidade de manter uma expansão demográfica exponencial em um mundo finito, isso não significa que a superpopulação seja uma questão ecológica central, prioritária.

Correntes da ecologia política de países ricos voltam a considerar o crescimento exponencial da população mundial como uma ameaça à habitabilidade do planeta. Chega ao ponto de pessoas renunciarem a ter filhos como contribuição para a causa ecológica. O excesso de habitantes esteve ausente das discussões nos últimos 50 anos, desde a controvérsia entre Barry Commoner e Paul Ehrlich, em 1968, e da edição do livro “Os Limites do Crescimento”, em 1972. Mesmo recentemente, o tema não foi lembrado durante a COP-21, Conferencia de Paris de 2015, quando 190 países chegaram ao consenso de que a temperatura média do planeta não deve ultrapassar 2ºC até o final do Século XXI.

A percepção de que a desregulação ecológica planetária está cada vez mais aguda abriu espaço para hipóteses acerca do colapso de nossa sociedade termo industrial, do decrescimento econômico e do controle demográfico mundial. Assim como ampliou a convicção de que as transformações ecológicas e ambientais não são mais ameaças para as futuras gerações, como a ecologia política supunha há 15 anos, mas são fenômenos que estão em curso, embora se desconheça a intensidade e progressividade da evolução. As mudanças climáticas avançam mais rapidamente do que estava previsto e os efeitos constatados são mais graves, agudos e extremos. As projeções iniciais do Painel Intergovenamental de Mudanças Climáticas (IPCC) ficaram aquém da realidade (nível dos oceanos, degelo da banquisa e do permafrost, retroação positiva, etc.).

O emprego do termo desregulação ecológica é mais apropriado do que crise, uma vez que o planeta caminha irreversivelmente em direção a outro equilíbrio, que desconhecemos, enquanto que a palavra crise supõe retorno ao “status quo ante”.

Se há consenso sobre a impossibilidade de manter uma expansão demográfica exponencial em um mundo finito, posto que a terra tem apenas 13 mil quilômetros de diâmetro, um Montevideo-Paris, isso não significa que a superpopulação seja uma questão ecológica central, prioritária. Ainda que a evolução dos números seja inquietante.

De fato, foram necessários 130 anos para que a população mundial passasse de 1,0 bilhão de indivíduos, em 1800, para 2,0 bilhões de habitantes, em 1930. Em seguida, 33 anos para alcançar 3,0 bilhões. Após 1960, houve aumento de 1,0 bilhão de habitantes a cada 13 anos, aproximadamente. Hoje, o planeta abriga 7,7 bilhões de pessoas, embora a taxa de crescimento da população mundial diminua regularmente desde 1970 (Quadro I).

Por essa razão, as teses de Thomas Malthus voltaram à superfície com andrajos extraídos da crise ecológica. De fato, o excesso demográfico agrava os problemas ecológicos e ambientais, além de problemas sobejamente conhecidos como a expansão de favelas e megalópoles. No entanto, a interface entre população e degradação ambiental é muito mais complexa, pouco conhecida, gera controvérsias, envolve vários domínios do saber, muito dos quais não dispondo ainda de instrumentos de análise adequados.

Pelo menos dois aspectos geram controvérsias no campo da ecologia política. O primeiro é relativo ao número de habitantes que o planeta pode comportar. O segundo remete às propostas de redução da população mundial.

Análises prospectivas, quanto a capacidade de suporte da Terra, variam de 1,0 bilhão a 15 bilhões de habitantes. No primeiro caso, supõe-se que o planeta abrigaria uma população com padrão de vida material semelhante ao que hoje existe nos países ricos. No segundo caso, a população teria um nível de vida material sóbrio, compartilharia os recursos naturais e tecnologias com parcimônia e seria menos urbana.

É impossível vislumbrar quais poderiam ser as características dessas sociedades futuras demograficamente equilibradas, quais tecnologias utilizarão, se a produção e o consumo serão destinados apenas ao essencial e necessário, ou se haverá abundancia material em proveito de uma população reduzida. Estamos muito longe de formular um esboço tangível do que será uma sociedade futura descarbonizada, movida por energias renováveis, que limite a perda de biodiversidade, que seja moderada no uso de recursos renováveis e não renováveis, capaz de recuperar os meios naturais degradados. São especulações sobre o porvir sem possibilidades de comprovação.

Quanto às correntes da ecologia política que consideram a superpopulação como uma variável central da degradação global da natureza, elas ignoram inúmeros outros componentes que causam esse processo. A incompreensão simplista as conduz a designar grupos humanos como estando em demasia no planeta. Trata-se de uma postura no mínimo abjeta, quando não racista, segregacionista e excludente. Não hesitam em apontar habitantes do continente africano e de países asiáticos como séria ameaça.

Utilizam o aumento numérico da população como único critério. Argumentam que é preciso reduzir o número de habitantes nos países cujas taxas de natalidade são elevadas, leia, pobres. Justamente nos países onde as emissões de gás de efeito estufa (GEE) e o consumo de massa são pouco significativos. E as mulheres seriam, evidentemente, o principal alvo da planificação familiar. Não lhes vem ao espírito vasectomizar os varões ricos. Abreviando, trata-se de visão estreita que aponta o outro como excedente no planeta. “L’enfer c’est l’autre!”, parafraseando Sartre.

Ora, é inegável que existe uma correlação entre população e as pressões que ela exerce sobre o meio natural. Mas, as degradações são resultantes de diversas variáveis interdependentes, de outras grandezas mais relevantes do que a demográfica. Por exemplo, de 1800 até 2015, a população mundial aumentou por um fator da ordem de 6,5 vezes. Mas, o consumo de energia aumentou por um fator 50 vezes mais, enquanto que o capital por 134 vezes.

Os impactos negativos das atividades humanas (indústria, agricultura, transporte, energia…) sobre o meio natural vivo e inanimado (água, ar, solos, fauna, flora, ecossistemas…) dependem de variáveis como, o número de habitantes, as diversas formas de produção e consumo de bens e serviço (riqueza), a tecnologia, entre outras. Além do mais, os impactos no meio natural são muito diferenciados, como por exemplo, os provocados por um curtume são distintos dos provocados pela mineração de lítio. Além desses aspectos, é necessário considerar dois outros fatores bastante importantes: o alcance geográfico e a magnitude ou dimensão das degradações.

No final dos anos 1960, a querela Commoner versus Ehrlich, deu origem a equação I=PAT, na qual I, que corresponde aos danos, seria igual ao produto de P (população), por A (riqueza) e por T (tecnologia). No entanto, essa equação é insuficiente para avaliar as degradações.

Do ponto de vista geográfico, um dano ecológico pode ser local, regional ou global. Uma árvore cortada no quintal provoca um impacto local. Mas, a destruição de um bioma florestal como a Amazônia (ecossistemas de grandes zonas biogeográficas submetidas a um clima particular) provoca um dano global. Um veículo movido a motor térmico provoca tanto uma degradação local, regional e global ao percorrer 100 metros de distância. Global, porque a combustão de energia fóssil emite dióxido de carbono (CO2), gás de efeito estufa (GEE) não tóxico que ocasiona o aquecimento global. Local ou regional, porque a combustão emite diversos poluentes e partículas tóxicas de efeito circunscrito, como o SO2, NOx, PM2.5, COV, CH4, CO, Pb, Hg… A conhecida poluição do ar que afeta aglomerações urbanas e industriais, responsável por 8,8 milhões de óbitos anuais no mundo.

Quanto a magnitude ou dimensão dos danos ao meio natural, esse fator é extremamente importante. Ela pode ser reparável, ou regenerável, como no caso de uma árvore abatida que pode ser substituída por outra. Mas, pode ser irreversível, irreparável, como no caso do CO2, GEE lançado por motores térmicos, substancia cumulativa que perdura séculos na atmosfera. Também, a aniquilação de um bioma terrestre ou aquático e a perda de biodiversidade têm caráter irremediável, irremissível. A sociedade termo industrial, infelizmente, caminha rapidamente em direção dessa irreversibilidade.

Outro aspecto a ser considerado quanto a população: os seres humanos não são iguais face às pressões que exercem sobre a natureza. Um caçador coletor de uma tribo isolada da Amazônia não provoca o mesmo tipo de dano que um banqueiro de Wall Street. Não é necessário um desenho para compreender essa afirmação, “ça va de soi”. Como, também, não são iguais diante dos sofrimentos ocasionados pelas degradações. Por exemplo, o impacto negativo do aquecimento global sobre o modo de vida da etnia Tuaregue é muito mais grave e intenso do que o suportado pela população do Quartier Latin; embora a contribuição dessa última para o aquecimento global seja superior a produzida pelos berberes nômades do Saara. Na realidade, os danos provocados pelas atividades humanas são bastantes diferentes, variam segundo as características dos grupos humanos, de seus modos de vida, do que e de como produzem e consomem, de como se alimentam, divertem, transportam, habitam, vestem, rezam, etc.

Por essas razões, constatar que há relação entre a população e a pressão que a população exerce sobre a natureza não autoriza nenhuma corrente da ecologia política afirmar que determinado grupo social está em demasia no planeta. Nem tampouco assinalar qual grupo merece permanecer sobre a face da Terra. Do ponto de vista ético e filosófico, ecológico e político não existe ninguém que esteja em sobre número no globo terrestre.

O impacto nocivo depende dos recursos empregados e de sua apropriação. Assim, quanto maior for o volume de matérias primas e de energia empregadas para satisfazer as necessidades de uma população, mais intensa será a transformação operada na natureza. A energia é uma grandeza física com a propriedade de modificar o estado de um sistema. Ela altera a temperatura de um recinto, a forma de um objeto, a velocidade de um corpo, a composição da matéria, etc. Quanto mais energia for empregada em um sistema, maior será a transformação desse sistema. Em consequência, quanto mais energia for injetada para produzir e consumir bens e serviços, maior será a transformação provocada no meio natural biótico e abiótico. E hoje, infelizmente, nós injetamos uma quantidade de energia superior ao que o sistema terrestre pode absorver.

As medidas de energia e de emissões de GEE, entre outras de cunho físico, químico e biológico, são excelentes indicadores das pressões que a humanidade exerce sobre o meio natural, muito superiores às extraídas das Ciências Econômicas que são absolutamente inócuas para avaliar as enormes transformações ecológicas em curso.

A sociedade termo industrial, iniciada com a invenção da máquina a vapor em 1777, alcançou um elevado nível de intervenção na biosfera, atmosfera, litosfera, hidrosfera/criosfera. Em apenas 150 anos, houve intensificação brutal dos níveis de interferência no meio natural – fenômeno jamais ocorrido desde o surgimento do gênero Homo, nossos ancestrais. Ao mesmo tempo, nunca se produziu tanta riqueza, tantos bens e serviços como nesse curto período da História.

Porém, nem toda a população da Terra desfruta dessa riqueza construída pela sociedade termo industrial. Apenas uma parte está integrada a ela. A população mundial que desfruta da sociedade de consumo de massa é hoje da ordem de 4,8 bilhões de indivíduos, sobre um total de 7,7 bilhões de habitantes. Em 1980, eram torno de 1,8 bilhões de pessoas, para uma população total de 4,5 bilhões. Nos últimos 40 anos, a sociedade termo industrial absorveu 3,0 bilhões de habitantes. Esse fato explica o grau elevado de degradação que hoje afeta o meio natural.

A humanidade está diante de um impasse: manter a população já integrada e, ao mesmo tempo, estender a inserção à sociedade termo industrial do restante excluído, mas sem intensificar a transformação do meio natural. Estamos diante de uma impossibilidade determinada pelas leis da natureza. A integração já alcançada foi suficiente para acender exponencialmente a luz vermelha de todos os indicadores ambientais (biológicos, químicos, hídricos, físicos, produtivos, geológicos, minerais, energéticos e o escambau). Basicamente, a população integrada a sociedade termo industrial é a principal responsável pelas grandes modificações, em diferentes graus de inserção, bem entendido.

O consumo de energia primária e as emissões de GEE, particularmente do CO2, são preciosos índices para nos dar a dimensão da desregulação ecológica.

O consumo médio anual de energia primária de um habitante dos Estados Unidos é de 6,9 toneladas equivalente petróleo (TEP/habitante/ano). Enquanto que o de um habitante da Europa Ocidental é inferior a 4,0 TEP/habitante/ano. Ou seja, o consumo de um europeu é 42% inferior ao de um norte-americano, mas o nível de vida material de ambos habitantes é semelhante. Portugal, por exemplo, dispõe de indicadores sociais melhores do que os dos Estados Unidos, não obstante dispor de um PIB per capita 65% inferior e consumir 2,1 TEP/habitante/ano. Portanto, há muito espaço para redução do consumo de energia. O Brasil consome 1,6 TEP/habitante/ano.

Mas, a diferença é gritante quando comparamos aos países pobres. O consumo médio do Bangladesh é de 0,25 TEP/habitante/ano (73% dos habitantes são rurais). O país abriga metade da população dos Estados Unidos e cada habitante consome, em média, 28 vezes menos energia do que um norte-americano.

O mesmo ocorre com as emissões de CO2 de origem antrópica, principal GEE. Segundo Oxfam (2020), os 10% mais ricos do planeta emitiram 52% do total de CO2 acumulado na atmosfera entre 1990 e 2015. Refinando a análise para o 1% mais rico, esse grupo é responsável por 15% das emissões de CO2 acumuladas. Enquanto que os 50% mais pobres respondem por apenas 7% das emissões de CO2 acumuladas; ou seja, contribuíram para o aquecimento global com a metade das emissões do 1% mais abastado. Isto posto, não é absurdo afirmar que se a população mais pobre não existisse, o aquecimento global continuaria imperturbavelmente sua nefasta trajetória ascendente. A emissão total mundial de CO2, em 2017, foi da ordem de 37 giga toneladas (Gt).

Comparativamente, as degradações causadas pela sociedade termo industrial são muito superiores às provocadas pela agricultura camponesa mundial. A população agrícola (moderna e tradicional) é o contingente mais numeroso de trabalhadores do planeta: em torno de 2,8 bilhões de habitantes, 38% da população mundial. A maior parte pratica a pequena produção agrícola camponesa, vive em autarquia, são sistemas de produção autônomos com poucas trocas com o exterior. Esse grupo pertence aos 50% mais pobres da população mundial.

A atividade agrícola, moderna e tradicional, responde por algo em torno de 30% das emissões totais mundiais de GEE (CO2, CH4, N2O). Sendo que, 20% desse total provém essencialmente da agricultura e da pecuária moderna (fermentação entérica de ruminantes, adubos de síntese, esterco, rizicultura, máquinas e equipamentos), enquanto que os outros 10% provém da modificação do uso do solo (queimadas, desmatamento, extensão da fronteira agrícola), basicamente resultantes do processo de  transformação de ecossistemas naturais diversificados (florestas, cerrados, savanas), compostos por uma diversidade de espécies animais e vegetais, em ecossistemas artificiais, antrópicos mono-específicos. Os espaços naturais são e estão sendo reduzidos em proveito de culturas de grãos e pastagens, atividades agrícolas modernas intensivas em máquinas, insumos, energia (uma das razões do desaparecimento de 60% do número de indivíduos da fauna selvagem de vertebrados entre 1970 e 2014).

No tocante a superfície mundial destinada a produção agrícola, a produção de alimentos para os animais ocupa 77% da área total (culturas de grãos e pastagens). Os 23% restantes são destinadas a alimentação humana. Mas, a produção animal responde por apenas 18% das calorias e 37% das proteínas mundiais. A maior parte dos grãos produzidos no mundo são destinados à alimentação de animais (ruminantes, suínos, aves, peixes, etc.) e são produzidos basicamente pela agricultura moderna.

Mas, a eficiência dessa cadeia trófica muito baixa. Grosso modo, um bovino, se for considerado como uma máquina, seria um instrumento de transformar biomassa vegetal em biomassa animal. Mas, com um rendimento reduzido, da ordem de 10% no caso dos ruminantes. Em outros termos, o animal ingere dez quilos de biomassa vegetal (grãos e ervas), em matéria seca, para convertê-la em apenas um quilo de biomassa animal (carne e derivados), em matéria seca. O saldo de nove quilos é transformado em excremento e calor. A pecuária intensiva e moderna alimenta os bichos com rações compostas em 80% por grãos (soja, trigo, aveia, milho e outros) e um pouco de erva. Portanto, uma dieta alimentar humana mais fundada em vegetais reduziria, ao mesmo tempo, o espectro da falta de alimentos e as emissões de GEE.

Quanto às características geográficas e a magnitude dos danos provocados pelas práticas de produção camponesa, elas são fundamentalmente reparáveis, locais e regionais. A principal fonte de energia primária consumida é a biomassa vegetal, energia renovável. Convém destacar que cerca de 1,0 bilhão de agricultores não dispõem de eletricidade. O emprego de energias fósseis é irrisório. A moto mecanização é incipiente, bem como o uso de adubos fósseis, agrotóxicos e outros insumos. A poluição do solo, água e ar é orgânica, raramente química ou física de difícil absorção pelo meio natural. Os principais danos ocasionados por essa atividade tradicional afetam a biodiversidade vegetal e animal e podem ser reparadas, controladas, minimizadas, contrariamente aos GEE que são cumulativos na atmosfera.

O consumo anual mundial de todas as fontes de energia primária é da ordem de 14 G/TEP (Quadro II), dos quais 83% são fósseis (petróleo: 32%; carvão: 30%; gás natural: 21%), nuclear e hidroeletricidade (4% cada), biomassa (6%), solar, eólica e outras renováveis (1%). Conter o aquecimento global e as mudanças climáticas significa substituir e reduzir a importância das energias fósseis – esteio da modernidade e sua opulência. Basta constatar que, entre outros aspectos, que o consumo de petróleo mundial per capita é de 2 litros por dia, superior ao consumo de água potável por habitante.

Para conter o aquecimento global em 2ºC no final do século, será necessário reduzir o uso de energia em 50%, até 2050. Isso significa reduzir pela metade o consumo anual per capita de energia e de emissões de CO2, atualmente de 1,9 TEP e de 4,8 t/CO2, respectivamente.

A responsabilidade pela preservação dos equilíbrios do meio natural é comum a todos habitantes do planeta. Porém, essa responsabilidade é diferenciada e não se estende apenas às populações dos países ricos. Ela deve também alcançar os grupos sociais ricos dos países pobres. Os segmentos da população que se apropriam da maior quantidade e volume de matérias primas e de energia são os principais agentes da desregulação ecológica. É necessário reduzir o uso desse substrato natural sobre o qual repousa a qualidade de vida material de uma parte da população. Trata-se da questão ecológica central para conter o aquecimento global, fenômeno que exige medidas muito mais urgentes do que controle da população, ainda que a sua redução ou estabilização seja necessária.

A humanidade está diante de uma impossibilidade física, química, biológica de manter o padrão de produção e consumo e ao mesmo tempo dar continuidade ao processo de inserção dos 3,0 bilhões de habitantes à sociedade termo industrial. O atual caminho nos conduz ao colapso.

Hoje, a temperatura média do planeta está apenas 1°C acima da temperatura da era pré-industrial. No entanto, a Terra já assiste a intensificação dos impactos do aquecimento global (inundações, secas, ciclones, incêndios, derretimento do gelo, perda de biodiversidade, etc.).

Para estabilizar o aquecimento global em 2°C no final do Século XXI, as emissões globais de GEE devem ser reduzidas pela metade, até 2050. Nos restam apenas 30 anos para efetuar essa transição energética e ecológica.

A dificuldade reside no fato de não haver possibilidade de compatibilizar a necessidade de crescimento destrutivo constante e inerente ao capitalismo com a estabilização ecológica.

Ainda há tempo para mudar a trajetória. Dispomos de conhecimentos científicos para construir uma sociedade fundada na sobriedade socialmente compartilhada, livre e justa.


(*) Tomás Togni Tarquinio.

Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.


Ouça, a seguir, a entrevista do autor ao canal Contrafluxo sobre o tema abordado.

Entrevista com o Economista e antropólogo Tomás Togni Tarquínio.