De acordo com um equívoco comum, levaria 21 dias para criar um novo hábito, ou seja, para que um novo comportamento (por exemplo, parar de fumar, praticar esportes, limitar o tempo de tela, etc.) se tornasse parte de nossos hábitos. Mas será que esta afirmação é credível?
Assim que o sol nascer, vou colocar meu tênis e sair correndo. Fácil? No papel, sim. Mas, na prática, para criar um novo hábito, para integrar essa nova atividade em uma rotina, será preciso um mínimo de determinação, mas também de tempo. Mas quanto tempo?
De acordo com uma teoria de origem mal definida, levaria 21 dias para que uma nova prática se tornasse um hábito arraigado. Três semanas que, segundo Colin Camerer, economista comportamental do Instituto de Tecnologia da Califórnia, não pareceriam intransponíveis para alguém que faz sua resolução por ocasião do ano novo, por exemplo. Nos Estados Unidos, estima-se que 9% das pessoas tenham alcançado com sucesso as metas estabelecidas para o ano de 2023. Na França, 7% conseguiram reduzir o consumo de álcool, 11% fazer dieta e 17% passar menos tempo em frente a uma tela de computador, de acordo com uma pesquisa da Ipsos.
Na verdade, o tempo que leva para criar um novo hábito varia muito de pessoa para pessoa. A repetição é a chave de tudo, de acordo com Philippa Lally, professora sênior de psicologia e codiretora do grupo Habit Application and Theory da Universidade de Surrey, na Inglaterra. Junto com seu colega Colin Camerer, ela oferece métodos individualizados para aprender a consolidar certos comportamentos que queremos perpetuar.
De acordo com a teoria das três semanas, portanto, seriam necessários 21 dias para formar um novo hábito. Mas de onde vem esse número? Originalmente, ele foi mencionado em um livro publicado na década de 1960, chamado Psycho-Cybernetics, do cirurgião plástico Maxwell Maltz. Seu argumento? Ele havia observado que, após uma operação, seus pacientes levavam em média 21 dias para se acostumar com seu novo físico. Um resultado que Maxwell estendeu para outros campos: seria também a quantidade de tempo necessária para se acostumar com um novo lar ou para mudar suas crenças. Um número que aos poucos foi se tornando mais democrático, sem qualquer estudo estatístico que sustentasse sua precisão. Se essa teoria ainda se mantém, provavelmente é porque não é muito difícil de aceitar, de acordo com Colin Camerer. Pois ninguém consegue acreditar que leva apenas alguns dias para criar o hábito de correr todas as manhãs. E ter que esperar 12 meses para que uma prática se torne uma segunda natureza, é muito longo. No final, 21 dias é um tempo realista que parecia fazer todos concordarem!
No entanto, um estudo realizado por Philippa Lally em 2009 encontrou resultados muito diferentes. Os pesquisadores pediram a 96 voluntários que escolhessem qual dessas duas práticas queriam incorporar em suas vidas diárias: melhor hidratação ou atividade física. Os participantes foram instruídos a experimentar esse comportamento todos os dias durante 12 semanas. Resultados: os hábitos foram estabelecidos após durações muito díspares, variando de 18 a 254 dias, com um tempo médio de 66 dias, ou seja, mais de três vezes mais do que os 21 dias inicialmente propostos. E o fato de um comportamento ser repetido diariamente determinava em grande parte se ele ficaria ou não ancorado no tempo, explica a pesquisadora de psicologia.
Claro, também depende da condução que você deseja automatizar. É bem diferente querer incorporar uma nova atividade esportiva ou uma prática familiar, como beber mais água, em sua rotina diária. Em 2015, um estudo concluiu que os novos frequentadores de academias tinham que malhar pelo menos quatro vezes por semana durante um mês e meio antes que seu novo treino se tornasse rotina. Da mesma forma, Colin Camerer e seus colegas mostraram, em seu trabalho, que leva apenas algumas semanas para ter o reflexo de lavar as mãos todos os dias, mas que você tem que insistir em seis meses para tornar uma prática esportiva regular em sua vida.
Tal diferença, segundo o estudo, pode ser explicada pela complexidade e recorrência da tarefa. Geralmente temos mais oportunidade – e comodidade – de lavar as mãos do que praticar esportes. Além do esforço exigido, os pesquisadores enfatizam a importância de elementos externos que funcionam como lembretes da atividade a ser praticada (um post-it na cozinha, um alerta no celular, um compromisso semanal com um amigo, etc.).
Em segundo lugar, as resoluções de Ano Novo têm uma tendência infeliz para se esgotarem. É por isso que existem alguns truques que podem ajudá-lo a cumprir suas promessas. Uma delas é imaginar como essa nova medida pode ser implementada na prática. Por exemplo, se você quer aprender espanhol, é melhor deixar claro que deseja estudar o idioma por 20 minutos, três vezes por semana, em vez da vaga ideia de “querer aprender espanhol”. Um amigo ou um aplicativo em seu smartphone também pode ajudá-lo a manter sua força de vontade intacta. Finalmente, uma resolução que você realmente quer será mantida ao longo do tempo muito mais facilmente do que quando é tomada, porque você se sente compelido a fazê-la.
Mas como falar de motivação sem falar em recompensas?
Embora sejam importantes, Lally ressalta que as pessoas geralmente cometem o mesmo erro: se recompensam tarde demais. As pessoas que acabaram de começar a se exercitar só são recompensadas com seu desempenho da semana quando o fim de semana chega. No entanto, para se manter motivado, a recompensa deve ser obtida durante o esforço ou imediatamente após. Por exemplo, se você assiste a um filme que gosta enquanto corre em uma esteira, a recompensa do filme é associada à corrida e estimula o circuito de motivação. Esse princípio foi ilustrado em 2014 por pesquisadores que pediram aos participantes que ouvissem audiolivros – geralmente populares entre o público em geral, como Jogos Vorazes ou O Diabo Veste Prada – durante cada uma de suas sessões esportivas por nove semanas. Como resultado, essas pessoas retornaram à academia em média 51% mais frequentemente do que aquelas que não haviam sido instruídas a fazê-lo.
Phillipa Lally também aconselha associar o comportamento desejado a uma prática já bem estabelecida no dia a dia. Por exemplo, um indivíduo que vai trabalhar duas vezes por semana é bem aconselhado a planejar seus treinos no final dos dois dias. Desta forma, o seu trabalho no escritório – um comportamento que já está integrado no seu dia a dia – estará associado ao novo comportamento a automatizar: o exercício físico. Uma conexão neural é então criada entre as áreas do cérebro dedicadas à memória e à formação de hábitos. Ao repetir esses comportamentos, essa conexão se fortalece e leva a pessoa – inconscientemente – a se exercitar após sua jornada de trabalho. Esta é a base do que é conhecido como “aprendizagem por associação”.
Por fim, é importante criar um ambiente propício para a nova prática que você almeja, para criar um novo hábito. Este é o papel que as pistas visuais ao nosso redor podem desempenhar: se quisermos comer mais frutas, uma cesta cheia de diferentes variedades e destacada terá um papel facilitador. Mesmo truque quando se trata de quebrar um mau hábito. Quando você quer parar de beber, é melhor não deixar uma garrafa de vinho tinto ou uma lata de cerveja no fundo do armário na geladeira. Mas um vício grave em álcool ou drogas requer a ajuda de um especialista.
O que acontece quando você perde a consistência?
Faltar um ou dois dias da sua rotina diária pode acontecer. De acordo com Philippa Lally, as pessoas impõem a si mesmas programas muito rigorosos que exigem esforço diário e, portanto, são inatingíveis. O problema é que quando elas não cumprem seus objetivos ou estabeleceram uma meto alta – percorrer 10 quilômetros todos os dias! – elas ficam relutantes em fazê-lo novamente.
Nessas fases de desmotivação, Philippa Lally propõe-se a tentar perceber de onde vem esta falta de motivação e encontrar soluções para resolver o problema. Se, apesar de tudo, não funcionar, então você tem que adaptar a prática para que seja mais fácil de alcançar: busque um esforço menos intenso, em um ritmo mais lento e, finalmente, não hesite em revisar os objetivos para torná-los mais acessíveis. Se amarrar seus tênis e correr por alguns minutos ao longo do quarteirão parece insignificante, diga a si mesmo que não será quando você adquirir o hábito de fazê-lo regularmente.
PONTOS-CHAVE DO ARTIGO
Segundo uma lenda urbana, levaria 21 dias para formar um hábito. Essa observação já foi refutada por estudos científicos que mostram que essa duração varia muito de um indivíduo para outro e está mais próxima de 66 dias, em média.
Uma chave para se tornar um novo comportamento em uma rotina, para criar um novo hábito: juntá-lo com outro que já é.
Outro ingrediente fundamental é associar uma recompensa à nova prática que você deseja adotar, no exato momento em que a faz. Isso é aprendizagem associativa.
REFERÊNCIAS
Lally, et al., How are habits formed : Modelling habit formation in the real world, Eur. J. Soc. Psychol., 2010.
Kaushalet al., Exercise habit formation in new gym members : A longitudinal study, J. Behav. Med., 2015.
Buyalskaya et al.,What can machine learning teach us about habit formation ? Evidence from exercise and hygiene, PNAS, 2023.
K.L. Milkman et al., Holding the Hunger Games hostage at the gym : An evaluation of temptation bundling, Manage Sci., 2014.