A Terra é finita. Com apenas treze mil quilômetros de diâmetro, distância que separa Paris de Montevideo, o planeta restará do mesmo tamanho por bilhões de anos. Um insignificante corpo celeste vagando no espaço. Porém excepcional: único que abriga vida, ao nosso conhecimento. No entanto, nós o concebemos como ilimitado e cuja função é nos servir.
No registro sagrado, a visão é antiga; já está presente nos primeiros versículos do Genesis. No registro profano, a visão utilitarista da natureza se afirmou bem mais tarde. No Século XVII, Descartes a sintetizou colocando os humanos no pedestal como “maître et possesseur de la nature” (mestres e possuidores da natureza). No século XX, Schumpeter atualizou o conceito ao afirmar que a destruição criativa é o motor do capitalismo. Nas entrelinhas, o economista austríaco disse que a modernidade fóssil somente prospera em um mundo infinito. Hoje, essas ideias são cada vez mais contestadas. Nós, humanos, redescobrimos que somos natureza, que estamos na natureza e que a natureza está em nós.
Nossa sociedade termo industrial é completamente tributária das energias fósseis. Ela se revelou incompatível com os limites impostos pela natureza. A abundância de energias fósseis e matérias primas moldou a forma como o nosso modo de vida está organizado. E alimenta a quimera que estamos em um planeta interminável. Esse modo de produção e consumo de bens e serviços afastou os seres humanos da natureza viva e inanimada. Agora coloca em risco as condições de habitabilidade dos humanos e não-humanos sobre a face da terra. O utilitarismo nos apartou da biologia, ou seja, das condições nas quais a vida prospera em proveito da mecânica.
Face à desregulação ecológica em curso acelerado da atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera (ecosfera), os defensores dessas concepções tentam preservar esse modo de produção e consumo deletério de bens e serviços. O discurso predominante veiculado pelos meios de comunicação, igualmente pela sociedade civil, pressupõe que a transição ecológica será realizada sem mudanças de paradigmas. Supõem que a superação do gigantesco desafio que teremos que enfrentar ocorrerá em um contexto de abundância de matérias primas e energia. As limitações futuras são minimizadas e não condizem com os enormes obstáculos que a civilização termo industrial já enfrenta e enfrentará em escala mais aguda, a curto, médio e longo prazo. O suposto contexto de opulência de recursos naturais, associado ao otimismo no tocante a inovações tecnológicas, seriam componentes favoráveis à superação das dificuldades. A transição ecológica é observada como se fosse independente do enorme substrato material sobre o qual repousa a modernidade. A gigantesca escala de recursos naturais que será necessário mobilizar é insuficiente para garantir o mesmo padrão de vida. Situação agravada pelo exíguo período de tempo necessário para se construir uma sociedade pós-carbono.
Trata-se de substituir a matriz energética mundial dependente em 85% de energias fósseis (carvão, petróleo, gás) – e responsável por cerca de 80% das emissões de GEE – por energias de baixo carbono (eólica, solar e nuclear que só produzem eletricidade). E de introduzir novas tecnologias que exigem extrair uma quantidade de metais equivalente ao que foi retirado da litosfera desde a invenção da metalurgia.
Mas a desregulação ecológica não diz respeito apenas da vertente climática. Ela vem acompanhada da perda de biodiversidade, esgotamento dos recursos naturais não renováveis e poluições diversas e variadas do meio natural (água, ar, solos…).
Ainda permanece a ilusão que será possível desacoplar, ou dissociar, o crescimento da riqueza (PIB) dos danos causados ao quatro componentes da ecosfera. Ou seja, promover o crescimento da riqueza e, ao mesmo tempo, reduzir do emprego de matérias primas e energia – em termos absolutos. O aumento dos bens e serviços sempre foi acompanhado do crescente emprego de matérias primas e energia. Hoje, por exemplo, o consumo de matérias primas é superior a taxa de crescimento da economia mundial. Quanto maior for produção e consumo, mais matéria e energia serão empregadas no processo econômico e maior será a degradação do meio natural.
O narrativa prevalente segue difusa e não estruturada. Acreditam que os mesmos privilégios oferecidos pela modernidade fóssil serão assegurados pela transição ecológica: crescimento econômico, poder de compra, mobilidade, alimentação, habitação, saúde, educação, aposentadoria, seguridade social, lazer… No entanto, a prosperidade proporcionada pela sociedade termo industrial beneficia de maneira extremamente desigual em torno de 30% da população mundial. Por exemplo, o 1% mais rico do planeta é responsável por 15% das emissões de CO2; os 10% mais ricos por 52%; enquanto que os 50% mais pobres por apenas 8%. Se os 10% mais ricos já causam esse nível de degradação da ecosfera, fica evidente que será impossível estender os benefícios desse modo de vida à parte da humanidade excluída do banquete.
No entanto, o modo de produção e consumo desenfreado de bens e serviços segue sendo visto como perene e não como transitório. Trata-se de um parêntesis de abundancia iniciado com a revolução industrial e que agora encontra limites à sua expansão. Essas restrições são impostas por leis físicas químicas e biológicas irrevogáveis. E não por leis econômicas.
Atenuar e adaptar a humanidade aos efeitos nefastos causados pela desregulação ecológica requer encarar o futuro com realismo. Ainda não há clareza como o futuro será, tampouco como construí-lo. As soluções serão provavelmente diversificadas, dependendo de condições locais e regionais, com aproximação da esfera da produção e do consumo.
O futuro não será o prolongamento do modo de vida presente. A transição ecológica não se resume a mudança de infraestruturas, a substituição de energias fósseis por energias de baixo carbono. Trata-se transformação cultural que requer abandonar o modo de vida nascido com civilização termo industrial.
Ainda há tempo para construir uma sociedade pautada pela sobriedade na produção e consumo, pela moderação voluntária e compartilhada. A superação implica em saber o que produzir, para que produzir, para quem produzir e, sobretudo, como produzir, dando prioridade ao necessário e essencial, abandonando o supérfluo.
(*) Tomás Togni Tarquinio
Antropólogo pela Universidade de Paris VII, pós graduado em Prospectiva Ambiental pela EHESS. Ex-diretor de estudos no GERPA, CREDOC. Consultor América Latina e Europa. Membro do Institut Momentum.